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Covid-19 como causa da incapacidade de profissionais de saúde: considerações sobre a Lei 14.128/2021

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado.

A Lei 14.128, de 26 de março de 2021, dispõe sobre compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais e trabalhadores de saúde que, durante o período de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente da disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), por terem trabalhado no atendimento direto a pacientes acometidos pela covid-19, ou realizado visitas domiciliares em determinado período de tempo, no caso de agentes comunitários de saúde ou de combate a endemias, tornarem-se permanentemente incapacitados para o trabalho, ou ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, em caso de óbito.

Nesse contexto, procura-se analisar o seguinte aspecto decorrente da Lei 14.128/2021, a qual entrou em vigor na data de sua publicação, ocorrida no Diário Oficial da União de 26.03.2021: a presunção da covid-19 como causa da incapacidade permanente para o trabalho ou óbito nos casos de profissionais e trabalhadores de saúde.

Nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei 14.128/2021, presume-se a covid-19 como causa da incapacidade permanente para o trabalho ou óbito, mesmo que não tenha sido a causa única, principal ou imediata, desde que mantido o nexo temporal entre a data de início da doença e a ocorrência da incapacidade permanente para o trabalho ou óbito, se houver: I – diagnóstico de covid-19 comprovado mediante laudos de exames laboratoriais; ou II – laudo médico que ateste quadro clínico compatível com a covid-19.

Na realidade, essa previsão é aplicável à compensação financeira de que trata a Lei 14.128/2021, a qual será concedida: I – ao profissional ou trabalhador de saúde referido no art. 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei 14.128/2021[1] que ficar incapacitado permanentemente para o trabalho em decorrência da covid-19; II – ao agente comunitário de saúde e de combate a endemias que ficar incapacitado permanentemente para o trabalho em decorrência da covid-19, por ter realizado visitas domiciliares em razão de suas atribuições durante o estado de emergência de saúde pública de importância nacional em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus; III – ao cônjuge ou companheiro, aos dependentes e aos herdeiros necessários do profissional ou trabalhador de saúde que, falecido em decorrência da covid-19, tenha trabalhado no atendimento direto aos pacientes acometidos por essa doença, ou realizado visitas domiciliares em razão de suas atribuições, no caso de agentes comunitários de saúde ou de combate a endemias, durante o estado de emergência de saúde pública de importância nacional em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus (art. 2º da Lei 14.128/2021).

A rigor, o art. 2º, § 1º, da Lei 14.128/2021, como norma especial, não versa sobre o reconhecimento do nexo entre o trabalho e o agravo para fins previdenciários e trabalhistas, tendo incidência na questão específica da referida compensação financeira, a qual possui natureza indenizatória e não pode constituir base de cálculo para a incidência de imposto de renda ou de contribuição previdenciária (art. 5º da Lei 14.128/2021).

Como se pode notar, essa compensação financeira não tem natureza previdenciária, nem trabalhista. Tanto é assim que o recebimento da compensação financeira de que trata a Lei 14.128/2021 não prejudica o direito ao recebimento de benefícios previdenciários ou assistenciais previstos em lei (art. 5º, parágrafo único, da Lei 14.128/2021).

A presença de comorbidades não afasta o direito ao recebimento da compensação financeira de que trata a Lei 14.128/2021 (art. 2º, § 2º).

Registre-se que a concessão da compensação financeira nas hipóteses de que tratam os incisos I (profissional ou trabalhador de saúde) e II (agente comunitário de saúde e de combate a endemias) do art. 2º da Lei 14.128/2021[2] está sujeita à avaliação de perícia médica realizada por servidores integrantes da carreira de Perito Médico Federal (art. 2º, § 3º, da Lei 14.128/2021). Sendo assim, é possível argumentar que nessas situações a presunção estabelecida no art. 2º, § 1º, da Lei 14.128/2021 tem natureza relativa, podendo ser elidida, em razão de outros elementos do caso concreto, pela perícia médica.

Embora a verificação do nexo entre o trabalho e o agravo para fins previdenciários tenha regras próprias (arts. 21 e 21-A da Lei 8.213/1991 e art. 337 do Regulamento da Previdência Social)[3], nos casos de profissionais e trabalhadores de saúde, é possível que ocorra a aplicação do art. 2º, § 1º, da Lei 14.128/2021 nas esferas previdenciária (para fins de aposentadoria por incapacidade permanente e pensão por morte) e trabalhista como fundamento de reforço, de modo supletivo, isto é, com o intuito de confirmar a natureza ocupacional da doença, notadamente em âmbito judicial.

Confirma-se a necessidade de aperfeiçoamento da técnica legislativa na formulação dos comandos normativos. Questões por si complexas passam a dar margem a interpretações as mais diversas, em razão da ausência de precisão na redação de certas disposições legais. A urgência na aprovação de leis, em razão da pandemia, não deve resultar na intensificação da insegurança jurídica em matérias de nítida relevância para a sociedade.


[1] “Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se: I – profissional ou trabalhador de saúde: a) aqueles cujas profissões, de nível superior, são reconhecidas pelo Conselho Nacional de Saúde, além de fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais e profissionais que trabalham com testagem nos laboratórios de análises clínicas; b) aqueles cujas profissões, de nível técnico ou auxiliar, são vinculadas às áreas de saúde, incluindo os profissionais que trabalham com testagem nos laboratórios de análises clínicas; c) os agentes comunitários de saúde e de combate a endemias; d) aqueles que, mesmo não exercendo atividades-fim nas áreas de saúde, auxiliam ou prestam serviço de apoio presencialmente nos estabelecimentos de saúde para a consecução daquelas atividades, no desempenho de atribuições em serviços administrativos, de copa, de lavanderia, de limpeza, de segurança e de condução de ambulâncias, entre outros, além dos trabalhadores dos necrotérios e dos coveiros; e e) aqueles cujas profissões, de nível superior, médio e fundamental, são reconhecidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social, que atuam no Sistema Único de Assistência Social”.

[2] “Art. 2º A compensação financeira de que trata esta Lei será concedida: I – ao profissional ou trabalhador de saúde referido no inciso I do parágrafo único do art. 1º desta Lei que ficar incapacitado permanentemente para o trabalho em decorrência da Covid-19; II – ao agente comunitário de saúde e de combate a endemias que ficar incapacitado permanentemente para o trabalho em decorrência da Covid-19, por ter realizado visitas domiciliares em razão de suas atribuições durante o Espin-Covid-19; III – ao cônjuge ou companheiro, aos dependentes e aos herdeiros necessários do profissional ou trabalhador de saúde que, falecido em decorrência da Covid-19, tenha trabalhado no atendimento direto aos pacientes acometidos por essa doença, ou realizado visitas domiciliares em razão de suas atribuições, no caso de agentes comunitários de saúde ou de combate a endemias, durante o Espin-Covid-19”.

[3] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito da seguridade social. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 646-653.

Posted on 29 de março de 2021 in Artigos

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Sobre o Autor

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pesquisa de Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário. Advogado, Parecerista e Consultor Jurídico. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro de Conselhos Editoriais de diversas Revistas e Periódicos especializados na área do Direito. Autor de vários livros, estudos e artigos jurídicos.