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Responsabilidade da administração pública por encargos trabalhistas devidos pela empresa contratada: Lei 14.133/2021

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado.

Tendo em vista a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, cabe analisar a responsabilidade da Administração Pública quanto a encargos trabalhistas devidos pela empresa contratada.

Conforme a anterior Lei sobre licitações e contratos da Administração Pública, o contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato (art. 71 da 8.666/1993).

A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem pode onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis (art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993, com redação dada pela Lei 9.032/1995).

O Supremo Tribunal Federal decidiu ser válida essa previsão legal, ao julgar procedente o pedido formulado em ação declaratória de constitucionalidade[1].

O Supremo Tribunal Federal confirmou o referido entendimento, tendo fixado a seguinte tese de repercussão geral: “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93” (STF, Pleno, RE 760.931/DF, Red. p/ ac. Min. Luiz Fux, DJe 02.05.2017).

A Lei 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no art. 77, prevê que o contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

A inadimplência do contratado quanto aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à empresa pública ou à sociedade de economia mista a responsabilidade por seu pagamento, nem pode onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis (art. 77, § 1º, da Lei 13.303/2016).

Ainda assim, é possível dizer que a exclusão da responsabilidade da Administração Pública aplica-se quando esta cumpre as normas sobre licitações, fiscalizando o contrato administrativo firmado com a empresa prestadora dos serviços[2]. Nessa linha, conforme o caso concreto, excepcionalmente, é possível a responsabilização do ente público tomador dos serviços, quando houver demonstração de que incorreu em dolo ou culpa na fiscalização contratual do cumprimento das obrigações da empresa contratada[3].

A Lei 14.133/2021 estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e abrange: os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados e do Distrito Federal e os órgãos do Poder Legislativo dos Municípios, quando no desempenho de função administrativa; os fundos especiais e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela Administração Pública[4].

Não são abrangidas pela Lei 14.133/2021 as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, regidas pela Lei 13.303/2016, ressalvado o disposto no art. 178 da Lei 14.133/2021, sobre crimes em licitações e contratos administrativos (Código Penal).

A habilitação é a fase da licitação em que se verifica o conjunto de informações e documentos necessários e suficientes para demonstrar a capacidade do licitante de realizar o objeto da licitação, dividindo-se em: jurídica; técnica; fiscal, social e trabalhista; econômico-financeira (art. 62 da Lei 14.133/2021).

As habilitações fiscal, social e trabalhista nas licitações devem ser aferidas mediante a verificação dos seguintes requisitos: I – a inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ); II – a inscrição no cadastro de contribuintes estadual e/ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual; III – a regularidade perante a Fazenda federal, estadual e/ou municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei; IV – a regularidade relativa à Seguridade Social e ao FGTS, que demonstre cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei; V – a regularidade perante a Justiça do Trabalho; VI – o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal de 1988[5] (art. 68 da Lei 14.133/2021).

Os referidos documentos podem ser substituídos ou supridos, no todo ou em parte, por outros meios hábeis a comprovar a regularidade do licitante, inclusive por meio eletrônico. A comprovação de atendimento do disposto nos incisos III, IV e V do art. 68 da Lei 14.133/2021 deve ser feita na forma da legislação específica.

De acordo com a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, somente o contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato (art. 121 da Lei 14.133/2021).

Considera-se contratado a pessoa física ou jurídica, ou consórcio de pessoas jurídicas, signatária de contrato com a Administração Pública (art. 6º, inciso VIII, da Lei 14.133/2021).

A inadimplência do contratado em relação aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade pelo seu pagamento e não pode onerar o objeto do contrato nem restringir a regularização e o uso das obras e das edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis, ressalvada a hipótese prevista no § 2º do art. 121 da 14.133/2021.

Exclusivamente nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração Pública responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado (art. 121, § 2º, da Lei 14.133/2021).

Portanto, conforme a atual previsão legal sobre licitações e contratos administrativos, a responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas devidos pelo contratado apenas se aplica nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, incidindo se demonstrada a falha na fiscalização pela Administração Pública do cumprimento das obrigações do contratado (culpa in vigilando).

Consideram-se serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra aqueles cujo modelo de execução contratual exige, entre outros requisitos, que: a) os empregados do contratado fiquem à disposição nas dependências do contratante para a prestação dos serviços; b) o contratado não compartilhe os recursos humanos e materiais disponíveis de uma contratação para execução simultânea de outros contratos; c) o contratado possibilite a fiscalização pelo contratante quanto à distribuição, controle e supervisão dos recursos humanos alocados aos seus contratos (art. 6º, inciso XVI, da Lei 14.133/2021).

Nas contratações de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, o contratado deve apresentar, quando solicitado pela Administração Pública, sob pena de multa, comprovação do cumprimento das obrigações trabalhistas e com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em relação aos empregados diretamente envolvidos na execução do contrato, em especial quanto ao: I – registro de ponto; II – recibo de pagamento de salários, adicionais, horas extras, repouso semanal remunerado e décimo terceiro salário; III – comprovante de depósito do FGTS; IV – recibo de concessão e pagamento de férias e do respectivo adicional; V – recibo de quitação de obrigações trabalhistas e previdenciárias dos empregados dispensados até a data da extinção do contrato; VI – recibo de pagamento de vale-transporte e vale-alimentação, na forma prevista em norma coletiva (art. 50 da Lei 14.133/2021).

Nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, para assegurar o cumprimento de obrigações trabalhistas pelo contratado, a Administração Pública, mediante disposição em edital ou em contrato, pode, entre outras medidas: I – exigir caução, fiança bancária ou contratação de seguro-garantia com cobertura para verbas rescisórias inadimplidas; II – condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas relativas ao contrato; III – efetuar o depósito de valores em conta vinculada; IV – em caso de inadimplemento, efetuar diretamente o pagamento das verbas trabalhistas, que devem ser deduzidas do pagamento devido ao contratado; V – estabelecer que os valores destinados a férias, a décimo terceiro salário, a ausências legais e a verbas rescisórias dos empregados do contratado que participarem da execução dos serviços contratados serão pagos pelo contratante ao contratado somente na ocorrência do fato gerador (art. 121, § 3º, da Lei 14.133/2021).

Os valores depositados na conta vinculada a que se refere o inciso III do § 3º do art. 121 da 14.133/2021 são absolutamente impenhoráveis (art. 121, § 4º, da Lei 14.133/2021).

Por fim, esclareça-se que o recolhimento das contribuições previdenciárias deve observar o disposto no art. 31 da Lei 8.212/1991, sobre retenção pelo contratante (art. 121, § 5º, da Lei 14.133/2021)[6].


[1] “Responsabilidade contratual. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art. 71, § 1º, da Lei federal n. 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal n. 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei n. 9.032, de 1995” (STF, Pleno, ADC 16/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 09.09.2011).

[2] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 400-402.

[3] Cf. Súmula 331, item V, do TST: “V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada”.

[4] Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação (art. 71 da Lei 4.320/1964).

[5] “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […] XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”.

[6] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito da seguridade social. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 209-212.

Posted on 4 de abril de 2021 in Artigos

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Sobre o Autor

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pesquisa de Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário. Advogado, Parecerista e Consultor Jurídico. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro de Conselhos Editoriais de diversas Revistas e Periódicos especializados na área do Direito. Autor de vários livros, estudos e artigos jurídicos.